24.1.07

Monte dos Torrejais

Acorda-se às 10 com o barulho da irritação com os cães e com os gatos a esgravatar nas portas e a bater nas janelas. O mau humor matinal fica logo no pontapé no gato que teima em dormir em cima da roupa que esqueci ao lado da cama. Quando é o gato que me acorda a dar cabeçadas na janela, aproveito para me rir da cara do Tobias, o cão, a implorar para abrir a porta antes que a sua bexiga expluda. Na casa de banho chamo o Jamiroquai, a Joss Stone, ou até a Pink em acústico com o pai, para me ajudar a não adormecer enquanto a água aquece.

Água fria nas mãos significa ficar paralisado até aos ombros, na cara serve para ficarmos a olhar para o espelho e pensarmos que somos mesmo giros. O duche é uma luta com as torneiras que não misturam como deviam, a água vem do furo que pelos vistos consegue descobrir quando estamos a tirar a fria, no momento em que pensas "agora está mesmo bom!" e pás! Pior que isso, não é uma queimadela nas peles finas da barriga, é que a torneira da água fria salta! Sim, salta e aponta mesmo para o dedo mindinho. Por esta altura só champô nos olhos, para me fazer voltar a entrar dentro da barriga da minha mãe, o conforto e o carinho na altura que mais precisamos.

Já chegado à cozinha relembro a fome com que me deitei no dia anterior, e venha daí o maior pequeno-almoço. Ouve-se um resmungo-murmuro, a minha irmã fala assim, "Não deixas dormir ninguém!", consigo olhar para ela durante dois segundos antes de voltar a tratar do pequeno almoço, ou seja, a fazer a dança do micro-ondas, a que faz os alimentos ficarem quentes duas, sim duas, vezes mais rápido. A minha irmã acende a televisão, depois dum zapping volta ao canal original, canal Andalucia. De manhã nem é assim tão interessante, mas os putos freaks que aparecem na TV espanhola, as repórteres que estripam os entrevistados e as espanholas a cantar e os espanhóis a bater palmas até ganham ao Goucha no fato da Picolé.

Chocapic daqueles novos, com brancos e pretos. Já me tinham recomendado, provo os brancos, não sabe nada bem. Derrete-se como se fosse manteiga, não tem nada a ver com os Galaks da minha infância, "Cláudia abre as mãos, não vou meter isto no meu leite!". E é então que se dá um momento de comunhão único.

A minha irmã abre as mãos, quando eu aproveito para lhe mandar a escáfia "Devias comer mais...", mal os Chocapics começam a deslizar pela caixa, o Tobias, mesmo que esteja no outro lado do monte, parte no desafio de tentar alcançar a sua parte. Atravessa a porta da cozinha na maior das urgências e senta-se ao meu lado com o ar vidrado de quem sabe que tem de fazer tudo para conseguir que lhe dê um chocapic. Para o Tobias, que também é o irmão mais novo, não há rebeldia que se sobreponha a conseguir a sua dose de chocolate, é uma espécie de transe sem a parte espectacular, em que fica estático, especado com os olhos abertos a focar aquilo que pode ser a concretização da sua vida.

A minha irmã recusa-se a ajudar a separar os Chocapics brancos dos pretos, eu insisto sem dizer nada, ela agarra num punhado de chocapics e come, dá-lhe o açucar suficiente para me ajudar. Os brancos são muito menos em proporção aos pretos. Deviam ser melhores? Separa-se o trigo do joio, ou o joio do trigo? Nunca me lembro. Não vamos por aí.

O Tobias dá duas ou três abébias enquanto os chocapics tilintam, há um outro que cai, mas ele não consegue deixar de olhar para o Jackpot. Tenta ladrar, mas lembra-se que não deve ser estúpido enquanto eu tiver com os Chocapics na mão. Acabamos de separar os Chocapics, a minha irmã concorda que os brancos não têm jeito nenhum. Olhamos para o Tobias e rimo-nos da parvoíce dele enquanto quase se lhe ouve o coração a bater. Mas hoje o Tobias ia ter uma surpresa, uma mão cheia de Chocapics brancos.

Viver no campo é monótono? Se fosse sempre assim era engraçado, mas monótono.